Os trabalhadores de baixa renda são os que mais sofrem com os efeitos da inflação. Cada vez que vão a supermercados percebem que o poder de compra encolheu na mesma proporção em que os preços aumentaram. Mas, quando querem cobrar providências, ficam sem saber a quem procurar.
Afinal, de quem é a culpa pela alta nos preços? O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) registrou alta de 0,81% em novembro, elevando para 4,22% a prévia do índice de inflação para os 12 meses de 2020. E os alimentos e bebidas foram os produtos que mais subiram (+2,16%).
Cobrado pela alta dos preços por um apoiador na porta do Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro, insinuou que a alta da inflação é culpa do isolamento social, determinado para conter a expansão do novo coronavírus..
“[O] Pessoal tem reclamado do preço dos alimentos. Tem subido sim além do normal. A gente lamenta, mas também é consequência do fique em casa”.
Nada mais falso. O presidente sabe ou deveria saber que falta ao país neste momento uma política econômica eficaz para dar aos trabalhadores o mínimo de condições de sustento com dignidade.
Mas com a inflação subindo, a vida fica mais complicada.\
A renda familiar de Daiane Cristina Devito Silva, 38 anos, casada, dois filhos, auxiliar de limpeza, é de cerca de R$ 3.300,00, somando seu salário mais o de Rodrigo, seu esposo que trabalha como recepcionista em um condomínio de Araraquara, interior de São Paulo. Ela reclama que a cada vez que vai ao mercado, volta com menos produtos no carrinho.
“Que a inflação está alta, é nítido. A gente vê o absurdo que está o preço do arroz, do feijão, do leite, principalmente, que para quem tem filhos não pode faltar”, diz.
“Minha filha adora bolachas, o danone, mas não dá para comprar para o mês inteiro A gente passou a comprar menos e controlar o quanto a menina come”, completa Daiane.
Como todo brasileiro, o que Daiane espera é que o Governo Federal faça alguma coisa para não deixar os preços subirem e não que se esquivem, ignorem o problema ou culpem quem está tomando medidas para conter a pandemia.
“A gente sofre com isso. Pro Bolsonaro, que não é da nossa classe social, um pacote de arroz a R$ 27,00, ‘tá tudo certo’, mas para nós, pesa. Eles não se importam com o que a gente passa, na verdade”, lamenta a trabalhadora, que complementa: ”É fácil para ele [Bolsonaro] jogar a culpa no isolamento social e não fazer nada para resolver”.
O que Bolsonaro não explica é que a má-gestão de seu governo também na economia tem sido causa principal do aumento da inflação. O presidente tem, sim, culpa por não fazer nada para conter a disparada de preços. E aqui você vai entender por que.
A técnica da subseção da CUT do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Adriana Marcolino aponta falhas do governo que ocasionaram a alta nos preços e puxaram a inflação para cima.
1 – Estoques reguladores – Bolsonaro não fez
Adriana explica que é praxe o governo federal comprar parte da produção agrícola de produtos como grãos, café, arroz, milho e manter em estoque. “Em períodos em que há falta ou por alguma disfunção no mercado os preços sobem, o governo intervém vendendo seus estoques para equalizar o preço”, explica a técnica.
“E isso se faz também no período que há sobra na safra, quando o governo compra do produtor para manter os preços em um patamar que não represente prejuízo aos produtores”, completa Adriana.
“Bolsonaro, na verdade zerou os estoques e agora não tem mais a capacidade de controlar os preços”, critica.
2 – Dólar a R$ 1,00 – Bolsonaro não fez
Para o produtor, com dólar a mais de R$ 5,31 (câmbio de 25/11), vale mais a pena vender lá fora do que aqui no Brasil. “Eles vão ganhar muito mais”, explica Adriana.
De acordo com a técnica do Dieese, o mercado mundial, que também está desorganizado, se aproveita dessa situação e acaba comprando a produção de países como o Brasil.“
“Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes não têm nenhum política de controle para o dólar”.
3 – Ajudar o pequeno agricultor – Bolsonaro não fez
Desde o governo do ilegítimo e golpista Michel Temer (MDB-SP), a agricultura familiar vem sofrendo com o desmonte de políticas de fomento ao setor. As dificuldades vão desde a política de crédito até a comercialização dos produtos.
E se já era difícil antes, com Bolsonaro a situação ficou ainda mais crítica. O governo reduziu recursos para a agricultura familiar, dificultando ainda mais para o setor no que se refere tanto à produção quanto à comercialização, que ficou muito prejudicada com a pandemia.
“Não teve mais feiras e sacolões para vender o que foi produzido. A entrega também foi prejudicada e não houve nenhuma ação do governo para contemplar a agricultura familiar”, pontua Adriana.
4 – Conter o avanço da monocultura de alimentos – Bolsonaro não fez
Adriana Marcolino explica que apesar do nome complicado, o ‘esquema’ é simples. O governo protege o agronegócio que prioriza a produção de determinados produtos – grãos como a soja, o arroz, o feijão – como commodities e não sob o conceito de segurança alimentar. Esses produtos são direcionados à exportação em situações como a que vivemos hoje, de dólar alto e o mercado brasileiro sofre com a escassez de alimentos, potencializada pela falta de políticas voltadas à agricultura familiar.
“Resumindo, Bolsonaro governa para o latifúndio em detrimento do pequeno produtor”, diz Adriana.
De acordo com o técnico do Dieese, Leandro Horie, o que acontece nos itens industriais também deve ser avaliado quando se fala em alta da inflação. “Além do repasse das desvalorizações do dólar para os preços, a própria pandemia, na China, provocou problemas nas cadeias de fornecimento de insumos e matérias primas. Isso reduziu a oferta de produtos e elevou os preços”.
Leandro afirma também que boa parte dos produtos industriais vendidos no Brasil são derivados da produção de poucas empresas. “É uma concentração de produção que permite o repasse do aumento de custos aos preços finais, mesmo em cenário de recessão”, ele diz.
O técnico avalia que não só o Brasil, mas o mundo todo vive hoje um choque de oferta. “È uma alteração na disponibilidade de produtos e isso provoca um desequilíbrio comercial, principalmente quando vários países também têm desvalorizações cambiais de suas moedas frente ao dólar”, ele explica.
A diferença, segundo Leandro, é que a intensidade do fenômeno tem sido muito maior no Brasil, em relação aos países centrais justamente pela ausência de coordenação de política econômica, pela subestimação dos efeitos da pandemia e, em especial, “pela crença cega de que o mercado iria resolver tudo e que qualquer intervenção seria prejudicial”.
Edição: Marize Muniz