O movimento sindical brasileiro precisará se reinventar na sua forma de atuação futura, até então focada nos locais de trabalho e um dos desafios é a proteção dos trabalhadores de aplicativos, essa indústria que contrata sem direitos e trata o trabalhador como se fosse microempreendedor, avaliou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da 16ª Plenária da CUT Nacional, realizada em ambiente virtual, em decorrência da pandemia de Covid-19, nesta quarta-feira (20).
Os desafios do movimento sindical no pós-pandemia, com altas taxas de desemprego e de informalidade, ataques aos direitos dos trabalhadores e aumento da pobreza e da miséria foram destaque nas falas de Lula, do presidente e da secretária-geral da CUT, Sérgio Nobre e Carmen Foro, do secretário-geral da Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA), Rafael Freire, e da secretária-geral da Confederação Sindical Internacional (CSI), Sharan Burrow.
“Existe uma revolução digital ocorrendo em todo mundo e o Brasil está atrasado nisso. Essa indústria dos aplicativos está consumindo a energia da nossa juventude, oferecendo emprego [aos jovens] como se fossem micro ou médio empreendedores quando, na verdade, são pessoas que estão enfrentando um serviço que deveria ter Previdência social, segurança e direitos mínimos”, disse Lula.
Ao se referir às transformações no mundo do trabalho, Lula destacou que a nova classe trabalhadora está perto de uma relação de escravização. “Essa gente, trabalha, trabalha, trabalha e quando se acidenta ou fica doente não tem nenhuma proteção do Estado”, exemplificou, ao defender o regime de bem-estar social, desmontado aos poucos pelo governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL).
Para Sérgio Nobre, a reorganização sindical representa um dos principais desafios do movimento sindical, especialmente por causa desse momento de transformações no mundo do trabalho, que foram aceleradas pela pandemia.
“O home office é uma realidade, portanto, o local de trabalho mudou. Isso não é uma transformação pequena. Os sindicatos que forem até os locais, encontrarão apenas 20% dos trabalhadores e trabalhadoras. Os aplicativos também são realidade, mudanças que colocam em xeque a nossa organização sindical. O mundo que sai da pandemia não cabe mais ao nosso modelo”, disse o dirigente.
Mais difícil que a mudança estrutural, prosseguiu o presidente nacional da CUT, será a mudança cultural que as entidades sindicais precisarão fazer. Segundo ele, a plenária buscará respostas a essas questões nos próximos quatro dias.
Caminhos futuros
Lula corroborou a fala de Sérgio Nobre dizendo que é o movimento sindical quem deve dar uma resposta ao conjunto de mudanças no país no pós-pandemia, especialmente depois dos desdobramentos do golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016, acrescido das políticas promovidas por Michel Temer (MDB-SP) e Bolsonaro recentemente.
“É preciso que a gente tenha consciência que a revolução digital, talvez a mais importante que a humanidade tenha conhecimento, ainda não representa uma contrapartida para a retribuição social ao povo trabalhador”, pontuou.
Lula lembrou das transformações tecnológicas e sociais em décadas passadas para falar sobre os medos da população e a resistência popular. “Sempre a humanidade encontrou um jeito. E esse jeito foi encontrado pela luta, pela combatividade e pela persistência dos trabalhadores. E esse desafio [tal qual em outros períodos], está colocado para nós outra vez”, afirmou.
“Do ponto de vista dos empresários, eles querem acumulação de riqueza, de lucro, agora estão preocupados em voar para saber se há uma possibilidade de sobreviver no espaço. Gastam milhões de dólares de passagem para fazer turismo, enquanto as pessoas morrem de fome no Brasil, na América Latina, morre de fome no continente africano”, completou.
Saudades de um tempo
Lula também lamentou o atual clima de ódio observado no Brasil e no mundo e disse sentir “saudade de um tempo em que havia mais humanidade e que as pessoas não eram tratadas como algoritmos”.
“Precisamos dizer à classe trabalhadora que o mundo não prescindirá de trabalhadores, mesmo que descubram um jeito de morar no espaço. Vai ter que ter alguém para construir o foguete, alguém para limpar o foguete, alguém para fazer comida para se comer dentro do foguete e no outro mundo que os ricos pensam que vão encontrar”.
O presidente Nacional da CUT complementou criticando o momento que o país vive, com a crise econômica, agravada pela pandemia negada por Bolsonaro, com altas taxas de desemprego e miséria.
“Vivemos uma crise social sem precedentes com trabalhadores desempregados ou no desalento. Nas periferias, especialmente nas capitais, vemos famílias inteiras dormindo na calçada, pedindo ajuda nas ruas, nos semáforos. Isso tudo resultado de um governo genocida, que negou a existência da pandemia”, falou Sérgio Nobre.
Ao lado de Sérgio Nobre, a trabalhadora rural, Carmen Foro destacou que a 16ª plenária pretende atualizar a reflexão dessa conjuntura caótica e definir estratégias para responder aos ataques e desmontes atuais. Ela também destacou que as plenárias estaduais que antecederam a etapa nacional mobilizaram cerca de 5 mil sindicalistas no país.
“Essa conjuntura econômica de crise tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. Um governo que é inimigo da classe trabalhadora, das mulheres, dos negros e negras, das comunidades indígenas e quilombolas, da juventude, das crianças, das pessoas com deficiência, da população LGBTQIA+. Um governo que promove o ódio, o machismo, o preconceito e a morte”, concluiu Carmen.
Sindicalismo nas Américas
Além de homenagear João Felício e Kjeld Jackobsen, mortos em 2020, que dão nome ao evento e foram lembrados em todas as falas, a 16ª plenária também fez um minuto de silêncio em respeito aos 603.902 mortos em decorrência da Covid-19.
Secretário-geral da Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA), Rafael Freire, lembrou sua trajetória de luta ao lado dos dirigentes homenageados e destacou como as resoluções dessa plenária podem contribuir para a classe trabalhadora em toda a América.
“O sindicalismo precisa ter força para voltar a ter protagonismo em nossa sociedade, para organizar a classe trabalhadora atual, composta por uma maioria de companheiros e companheiras que não têm contrato de trabalho, que estão na informalidade”.
Freire defende ser preciso começar uma nova etapa no sindicalismo internacional e a Plenária Nacional da CUT pode inaugurar isso, segundo ele, ao trazer contribuições aos brasileiros e brasileiras, mas também aos trabalhadores e trabalhadoras da América Latina e Caribe.
Lula para restaurar a democracia
A secretária-geral da Confederação Sindical Internacional (CSI), Sharan Burrow, também prestou tributo a João Felício e a Kjeld Jackobsen.
“João Felício, não foi somente um presidente da CUT Brasil, um dedicado executivo internacional conhecido por todos nós, mas também presidente da CSI. Um homem incrível, um professor como eu também fui, alguém que entendia tanto da intelectualidade assim como da militância da vida sindical”, disse Sharan Burrow.
“Kjeld foi um organizador incrível, coração de muitas batalhas sindicais e ele era também um grande amigo”, acrescentou.
Sharan Burrow comentou sobre a luta empreendida na atualidade, por um novo contrato social, por empregos, pleno emprego, com transição justa, por direitos e pelo fim da impunidade às corporações globais que colocam a exploração e o lucro em primeiro lugar.
“Seguimos lutando por proteção social universal, para que a classe trabalhadora e suas comunidades tenham resiliência frente aos choques globais”, disse a secretária-geral da CSI.
Paralelamente à luta por igualdade de renda, de gênero, de direitos e de inclusão, outra questão central, para a dirigente, diz respeito à reforma de um modelo econômico caracterizado por ela como “falido”.
“E vocês têm uma chance incrível de restaurar a democracia [no Brasil], com o Lula em campanha novamente. É emocionante ver o nosso companheiro livre e liderando a consciência de uma comunidade que deseja mudar”, afirmou Sharan.
Sharan falou ainda da unidade das pautas entre as entidades sindicais. “Queremos o fim do nacionalismo das vacinas. Eu tenho certeza que isso também estará na agenda de vocês. Precisamos financiar nossos sistemas de saúde, educação, cuidados infantis e de idosos, serviços que proporcionam dignidade aos nossos povos. Precisamos dizer que quando as pessoas estão em situação de risco, elas têm que ter renda para sobreviver. Eu sei que as suas decisões também nos guiarão”, concluiu a secretária-geral da CSI.
*Colaboração: Érica Aragão
Edição: Marize Muniz